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Sobrecarga de processos nos Tribunais Superiores: de quem é a culpa?

  • Foto do escritor: Bruno Torrano
    Bruno Torrano
  • 15 de set. de 2022
  • 3 min de leitura

Um vídeo de desabafo do Ministro Sebastião Reis, do STJ, rodou as redes. Vejamo-lo:



A indignação é bastante compreensível. Todas as posturas pelo Ministro citadas — de juízes, promotores e advogados — devem, sim, ser repensadas. E mais: nos 6 anos que assessorei no STJ, tive a mesma impressão. As minutas que eu elaborava em 2019, quando pedi exoneração, eram bastante parecidas com as que eu elaborava em 2013. Por anos, o grosso se referia a desobediência reiterada a Súmulas e entendimentos consolidados.


Mas o trecho do vídeo (e não vi o resto) parece sugerir que a hiperinflação de processos nos Tribunais Superiores é culpa apenas das instâncias inferiores. Não é o caso.

De início, temos uma política legislativa que por vezes não pensa no mundo real. Quando limites fáticos aos nossos sonhos são ignorados, não há muito mais a fazer do que apelar, desesperançoso, à “consciência geral” da comunidade jurídica.


Para alguns, seja por motivos principiológicos, seja por corporativismo, uma lei prevendo sustentação oral em agravos internos é justificada abstratamente por fortalecer a ampla defesa. Mas quando descemos da lua, a consequência imediata é esta: sobrecarga em sessões de julgamento, atraso no andamento de processos e análises cada vez mais apressadas. Em uma palavra: o exato oposto do que se intencionava.

Tribunais Superiores também têm sua parcela de culpa. Em visão realista, simplesmente não existe “vinculação formal” de precedentes, como se pretende colocar por via legislativa aqui no Brasil. Ao fim e ao cabo, toda vinculação de precedentes, se bem analisada, vem de crenças das instâncias inferiores sobre a legitimidade e desejabilidade da prática. Toda vinculação efetiva é substantiva.


A crença na legitimidade e desejabilidade dos precedentes vinculantes envolve fatores bastante complexos. Quando decide se vai ou não seguir um precedente "vinculante" dos Tribunais Superiores, o juiz receoso elabora diversas perguntas em sua cabeça: aqueles que exigem o respeito a precedentes têm, eles mesmos, respeitado seus próprios precedentes? Eles dão o exemplo? Têm demonstrado preocupação em construir uma estabilidade decisória? Constroem teses claras? Decidem dentro da extensão legítima ao Poder Judiciário, ou estão indo além? Demonstram compreender as nuances regionais a que se refere o processo, ou analisam os autos com o distanciamento de palácios de mármore situados em Brasília? E a minha independência funcional?


Muitos “precedentalistas”, com argumentos normativos e de autoridade, diriam que, diante de um precedente vinculante, essas perguntas não deveriam sequer ser cogitadas pelos magistrados de instância inferior. Seria o ideal. Mas o fato é que, hoje, diariamente , tais perguntas e desconfianças ainda habitam as mentes dos juízes e desembargadores que menos seguem as posições do STJ e STF.


Talvez seja a hora de tentar entender o problema de outra maneira. "Nudges" como a recente recomendação 134/2022 do CNJ são importantes, mas conversam majoritariamente com juízes que em suas formações jurídicas universitárias não internalizaram o vocabulário dos precedentes vinculantes (porque ele, até pouco tempo, nem sequer existia no Brasil).


Assim como, hoje, estamos vendo na jurisprudência uma bagunça conceitual e decisória parcialmente explicada pelo fato de os operadores do direito atuais terem sido treinados, paulatinamente, por duas décadas, a enxergar o direito com o vocabulário idealista do pós-positivismo brasileiro, a "mudança de cultura" pretendida pelos precedentalistas só ocorrerá quando alunos de graduação forem, massivamente, desde o primeiro período (como fiz na condição de professor de Introdução ao Estudo do Direito), apresentados à lógica decisória dos precedentes, confrontados com as vantagens da justiça formal e treinados a seguir uma concepção institucionalista do direito que se afaste de visões demasiadamente subjetivistas sobre "independência funcional".


Isso demanda bastante tempo e deveria ser construído em concomitância com políticas legislativas que efetivamente racionalizassem o acesso aos Tribunais Superiores. Implorar por conscientização em sessões de julgamento ou palestras é um meio bastante ineficaz para reduzir acervos. Mas, até lá, é boa parte do que dá para fazer.



 
 

Bruno Torrano - Espaço Jurídico

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